Andre Franca

Janja ou Esbanja?

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Desde que Rosângela Lula da Silva assumiu o posto temporário de primeira-dama do Brasil, seu nome nunca deixou de estar em evidência. Para o público, ela é apenas “Janja” – um apelido que sugere intimidade e proximidade, mas que, paradoxalmente, contrasta com a postura distanciada e, em muitos momentos, arrogante, que ela demonstra em relação às críticas que devidamente recebe desde que o seu marido - que numa manipulação jurídica teve suas condenações anuladas - disputou e ganhou as eleições de 2022 para Presidente do Brasil. Desde o início do governo, sua presença tem sido marcada por polêmicas que giram em torno do uso indiscriminado de dinheiro público para custear seus caprichos pessoais e suas ambições de protagonismo, como se o cargo de primeira-dama lhe conferisse um passe livre para esbanjar sem prestar satisfações.

Um exemplo emblemático dessa postura foi o evento apelidado popularmente de “Janjapalooza”, uma festa que ultrapassou qualquer limite razoável de bom senso e responsabilidade fiscal. Em um país em que milhões de pessoas enfrentam dificuldades econômicas, é no mínimo desrespeitoso assistir a uma primeira-dama promover um evento de proporções exageradas, financiado com recursos que deveriam ter um destino mais digno. Não há como justificar tamanho descompasso entre o discurso de empatia e justiça social que tanto prega o governo e a prática de gastos ostensivos com eventos privados e viagens que, muitas vezes, carecem de qualquer justificativa plausível em termos de interesse público.

As viagens de Janja são outro capítulo à parte nesse enredo de excessos. Com uma agenda que frequentemente parece mais voltada ao turismo de luxo do que ao cumprimento de obrigações institucionais, a primeira-dama atravessa continentes enquanto o cidadão comum mal consegue arcar com os custos básicos do dia a dia. A questão que fica é: até que ponto essas viagens são realmente necessárias? Quantas delas são, de fato, imprescindíveis para a representação do Brasil, e quantas servem apenas para alimentar um ego sedento por visibilidade? É inevitável que a opinião pública questione o peso desses deslocamentos para os cofres públicos, especialmente quando as prioridades reais do país permanecem negligenciadas.

O que mais incomoda, no entanto, não são apenas os gastos excessivos em si, mas a maneira como Janja reage às críticas. Sempre que questionada sobre os custos de suas festas, viagens ou qualquer outra extravagância, ela recorre ao argumento - que aqui soa como um escudo conveniente - do machismo. É evidente que existem resquíssios de descriminação por sexo na sociedade, mas claro, está muito longe do que a mídia e a militância tenta fazer parecer. Com isso, consegue-se banalizar essa questão transformando-a em uma cortina de fumaça para desviar de críticas legítimas e necessárias. Apontar os gastos excessivos de uma figura pública - que no caso de Janja, não exerce nenhum cargo público - não é uma questão de gênero; é uma questão de responsabilidade e transparência.

Utilizar o machismo como muleta para escapar de questionamentos sérios é, em essência, um ato de covardia. Em vez de responder de maneira objetiva e clara, apresentando justificativas concretas para seus gastos, Janja opta por desviar o foco, acusando seus detratores de agirem com base em preconceito de gênero. Isso não apenas enfraquece a discussão sobre igualdade, como também subestima a inteligência do cidadão que tem o direito de saber como seu dinheiro é empregado. A crítica é a essência da democracia, e figuras públicas devem estar preparadas para lidar com ela de forma madura e responsável.

Não se trata de implicância pessoal ou de querer limitar o papel de uma primeira-dama a uma figura decorativa e silenciada. O que se espera de alguém em uma posição de visibilidade é respeito ao papel que exerce, compromisso com o interesse público e, sobretudo, responsabilidade no uso dos recursos que pertencem a toda a população. Quando essas expectativas são frustradas, a crítica é não apenas natural, mas fundamental para a saúde da democracia. Fugir dela sob o pretexto de machismo não é apenas desonesto, é também um desserviço a todas as mulheres que realmente enfrentam dificuldades em suas vidas cotidianas.

É também importante destacar que a postura de Janja contrasta fortemente com a de outras primeiras-damas que a antecederam. Enquanto algumas adotaram um papel discreto e focado em causas sociais, ela parece empenhada em transformar sua posição em um palco pessoal, no qual as necessidades do país ficam em segundo plano diante de seu desejo de protagonismo. A sua insistência em se posicionar como uma figura central dentro do governo reforçam a percepção de que, para ela, ser primeira-dama é mais uma oportunidade de autopromoção do que um compromisso real com o bem-estar coletivo.

Por fim, é inevitável refletir sobre o impacto que essa conduta tem na imagem do governo como um todo, onde até mesmo políticos do mesmo espectro questionam estes desatinos. Em um momento em que a sociedade clama por maior transparência, eficiência e responsabilidade fiscal, comportamentos como os de Janja enfraquecem o discurso oficial e aumentam a desconfiança em relação à gestão pública. Nenhum governo está imune a críticas, mas a maneira como lida com elas revela muito sobre seu compromisso com a democracia e com a população. No caso da primeira-dama, a escolha por se vitimizar em vez de responder com transparência é um sinal claro de que algo está errado.

Em uma democracia madura, o debate aberto e honesto é essencial. Questionar o uso de recursos públicos não é machismo; é cidadania. Exigir responsabilidade de quem ocupa cargos de destaque não é perseguição; é um direito fundamental. Até que Janja compreenda isso e mude sua postura, continuará a ser alvo de críticas – e com razão. Afinal, estamos todos cansados de tanto espetáculo.

Gastos da Primeira-Dama
Gastos da Primeira-Dama até a data deste post. Imagem retirada do site Janjômetro.

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